quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Retórica

Retórica é a arte de persuadir
pelo discurso. REBOUL, 2000:XIV.
O Programa Iconográfico consta de 12 painéis correspondentes a cada movimento dos concertos de Vivaldi, com características técnicas que buscam ampliar a interrelação entre as obras e as integrem transdisciplinar e intersemiologicamente. A busca foi a da complementaridade de significações em signos diferentes. A intertemporalidade não se perde em diacronismos indesejáveis, mas reflete diálogo interpretativo cuja diacronia pode ser vista como leitura histórica, como tributo estético e como esforços de leitura, assimilação, emulação e divulgação.
O texto do Programa Iconográfico se prendeu, naturalmente, às referências da proposta, mas as transcendeu em referências geográficas, transpondo os ciclos europeus setecentistas para o ambiente que nos circunda.
Assim como a Europa foi trocada pela América, na inversão dos ciclos climáticos pelo Equador, a paisagem muda se muda o país. Não menos setecentista que as obras emuladas, Ouro Preto emprestou ao Programa Iconográfico imagens que, da memória mais longínqua do autor e do imaginário coletivo, passaram às telas em composições de recriação do cenário urbano em ritmos e andamentos sazonais.

Quadro dos roteiros
literários e musical.
(clique na imagem e amplie)


A mesma Ouro Preto, sempre pródiga, legou às telas personagens de seus filhos que substituíram os anônimos da iconografia clássica, tomando-lhes os atributos e os enriquecendo com suas personalidades e histórias.
Sinhá Olímpia , Bené da Flauta , Tiradentes e Aleijadinho emprestaram caracteres de suas figuras ao Programa, em relações de natureza metafórica, referências cronológicas metalépticas, analogias e metonímias de diferentes matizes; foram eleitos esses personagens para figurar no Programa Iconográfico, integrando a paisagem da qual eles se tornaram indissociáveis.
São quatro personagens que ilustram, ou exemplificam, o ciclo da vida e o ambiente ouro-pretano desses ciclos. Longevos uns, outro teve a vida ceifada na juventude. Mistos de loucura em cada um deles. Pelos azares da vida, ou pela sorte que projeta ninguéns em minutos de fama, os quatro alcançam dimensão equivalente no imaginário da cidade de Ouro Preto e dos que dela tomam consciência nativa.
Os fluxos de imagem, substituindo os de melodia, são aqui sincopados pela geometria sacra, pelo cromatismo escalar, pela progressão logarítmica, mas nem se prendem a esses limites lógicos quando o enredo pede. A liberdade inventiva, em conflito com a rigidez da forma arquitetônica e geométrica, dobra uma segundo a perspectiva e a fluidez do pincel na superfície variada dos diferentes suportes, submete outra pela irresponsabilidade lúdica da invenção desvinculada de rigor academicista. A linguagem cifrada das notas adossadas à brancura da superfície arquitetônica completa o jogo intercambiante de signos, abrindo-se os muros como rolos de informações sonoras, mas silentes.
Os signos musicais perdem aqui sua significância musicológica para re-significarem na poesia visual, grafismo nos muros desta urbs idealizada retórica e poeticamente. Voltam a ser linhas e pontos, curvas e cores em contraste nos planos. Cadeia de marcas negras incorporadas ao espaço pictórico como signos ambíguos, grafite polissêmico. Quem o desejar, que os leia como Vivaldi os lia – o mesmo texto está ali. Só não se pode afirmar que não haja expressividade concretista numa partitura, assim como é leviano negar tal existência; é lícito especular sobre essa questão – não especificamente tratando do Opus 8.
Como as notas musicais na poesia visual, silentes estão os personagens: Aleijadinho, Tiradentes, Bené da Flauta e Sinhá Olímpia não dizem nada, não há balões ou legendas, mas suas imagens têm discurso metagógico próprio. Personagens-ícones. Gente-signo.
Personagens que, com sua significância e significação construíram o Autor dessas Mimeses, impregnando-o de algumas de suas características: mineiridade, poética, liberaleza, loucura. De certa forma, a inclusão de suas representações no Programa Iconográfico pode ser associada a uma referência, simplesmente lhes atribuindo o significado de representar a origem de um pensamento inclusive estético.
Atores coadjuvantes, crianças brincando ou tocando, casais namorando, transeuntes, impessoais e em escala hierárquica de expressão hierática; não têm personalidade, mas personificam, integram o discurso pelo fragmento de ação descrita nas obras emuladas. Mais gente-signo.
Observe-se que as ferramentas descritivas do Programa Iconográfico são as mesmas dos Concertos Grossos: escalas, cromatismo, curvas, progressões, contraponto, forma. Há ainda enredo, trama. Mas trama aberta, com possibilidades interpretativas personalíssimas, fazendo de cada indivíduo elemento ativo na decodificação do supertexto .
Retomando o referencial platônico, a relação entre os fatores ontológicos permitiu a amplificação do processo gnosiológico e multiplicou as possibilidades de interpretações psicológicas. E aqui viajamos de Platão a Freud.
Elementos ilustrativos do texto, subtextos e intertextos foram extraídos da decupagem das obras emuladas. A observação imediata é a da coincidência intertextual entre os roteiros literário e musical de Vivaldi.
Partindo desses roteiros, foi elaborado outro que correspondesse à leitura

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Tese ou dissertação precisa de revisão da Keimelion.

Tese ou dissertação precisa de revisão da Keimelion.
Há mais de dez anos revisando textos com competência e pontualidade.

Postagens populares